29 de setembro de 2010

O Outro

- Realmente, eu não gosto de lembrar de você. Mas é carinhoso, de um modo ou de outro, poder saber que não é fácil te esquecer.
- Entoou tais palavras como se fossem as últimas a serem ditas por um poeta antes de despedir-se de seu poema, no crepúsculo de sua poesia, na melhor prática de sua métrica.
Deu alguns segundos até levantar novamente a cabeça e olhar ao lado, aquela figura perfeitamente bela aos seus olhos e, ao mesmo tempo, deturpada por completo em sua mente. Sabia que ali seria o final de uma incansável odisséia que vivera ao longo de tortuosos trinta e três anos, onde perdera muito mais do que imaginava e ganhara muito mais do que sabia mensurar.
- Eu não me importo com isso. E você sabe que não. Agora, você sabe porque não? Você ousa lembrar o porque?
- O olhar de fúria se misturava com o de súplica naqueles olhos profundos de cansaço, já mastigados pelo tempo e pela vida cotidiana.
Ele entendia a fúria do outro. Ele mesmo a sentira tantas vezes dentro de si, rasgando a pele das memórias boas e formando cicatrizes, que não via outro modo de encarar aquela pergunta a não ser lembrando das suas próprias respostas.
- Fiz pra mim tantas vezes as mesmas perguntas que você me faz agora... sinto estranho aqui dentro da cabeça ao ver que você me olha com raiva ao mesmo tempo em que não consegue se livrar das minhas respostas.
- Um golpe baixo, ele admitiu à si mesmo. O outro desvencilhou do olhar irônico e pedante que lhe fora lançado, afastando-se ruidosamente da mesa com os braços e levantou-se da cadeira de modo grosseiro. Todos na praça olhavam para eles, ou pelo menos era o que ambos sentiam juntos.
- É, você vai fugir! Você sempre vai fugir! Trinta e três anos que te conheço e não vejo outra reação sua quando lhe convém fugir!
- o outro para, cerra as mãos como se esmagasse um verme entre elas
- e eu, eu ainda espero que de alguma forma você vire essa cara de criança pra mim e me olhe nos olhos com uma puta de uma resposta sincera e verdadeira, que me faça parar e refletir sobre o que eu penso, falo, e sinto sobre tudo. Mas não, você nunca consegue me surpreender. Você, que nunca conseguiu nem ao menos deixar de ser previsível pros seus amiguinhos de trabalho, ainda faz com que eu espere uma surpresa de você... agora é a minha vez de usar o "por quê": Por que, então, eu ainda espero?
O outro perde a razão em algum lugar entre a dor e a coragem, vira-se com todo o ímpeto de alguém que fora atravessado por uma ofensa e responde:
- PORQUE EU SOU SUA SURPRESA!
- E ele chora. Escorre em seu rosto uma breve lágrima cuspida de dentro pra fora, em meio a um rosto vermelho feito sangue, com as mãos brancas segurando o crânio como se ele fosse explodir.
- Porque eu sempre fui, sempre serei, e nunca deixarei de ser a sua surpresa mais incrível e prazerosa! Porque eu sou a sua pergunta não respondida e porque eu sou a sua resposta mais bem explicada! Porque você sempre ficou ao meu lado quando eu precisava, mas sempre soube ser um filho da puta e me machucar quando eu menos queria! Porque sem mim, você só seria um cérebro, você só seria respostas. VOCÊ, VOCÊ PRECISA DE MIM PORQUE EU SOU A SUA PERGUNTA!
Engoliram seco, ambos, juntos, sentindo cada um de a seu modo a importância daquele momento. Foram tantos anos de espera, tantos anos de perdas e danos desnecessários, de brigas, de afastamento e reencontro, até que finalmente um admitisse o que um outro não sabia admitir.

E então, veio um vazio. E ele percebeu que o outro virara as costas e continuara caminhando, chorando baixo e deixando para trás parte da sua alma, porque a resposta sempre se importava com a pergunta, diferentemente da pergunta, que só esperava ser entendida, e lutava, para que nunca fosse aniquilada pela resposta. Mas o outro continuou caminhando e não parando para olhar para trás, para dizer alguma coisa e continuar aquele momento. Ele, entretanto, sabia que, em algum outro plano paralelo, o outro teria se virado e voltado. Que em outro, teria se virado e ele teria ido até o outro. Que em outro plano, os dois não existiriam, ou que pelo menos não existiriam um para o outro e que suas vidas seriam diferentes. E então pensou:
- Tanto faz, se não faz.
E disse, voltando seus olhos para o chão da praça e se perdendo na eternidade da certeza de sua resposta.

Jv.

26 de setembro de 2010

Daotra

Da mais fula emoção
Sem nenhuma intenção
O adeus sem despedida
Me devora o coração

Fixação e compaixão
Desmedido em toda ação

Tesão e agressão
Diluídos em afeição
Ciranda perigosa
Provinda da mais pura roda

Lv.

19 de setembro de 2010

Desconexão

Queria escrever algo, essa vontade está me consumindo nesse momento , mas me faltam as palavras moldadas ... só consigo cuspir o que eu sinto, o que eu penso, e como eu penso ! Minha cabeça não para um minuto. Como eu penso?

Todos os acontecimentos da minha vida passam pela minha cabeça em segundos, e eu quero resolver tudinho, do meu jeito claro, do jeito que ficar melhor para mim , em minutos, mas nunca consigo e acabo cedendo.

Todos os fatos relevantes tem a mesma importância que os atos sem relevância na minha mente ... não era pra ser assim, mas é assim que eu sou. Eu vejo errado talvez, eu sempre vejo o que só eu vejo e não consigo aprender a ver o que todo mundo quer ver.

Minha necessidade de pessoas me conduz ao desequilíbrio, a vontade de estar com gente de verdade, de achar alguém igual a mim, que partilhe meus sonhos e meus desejos me frusta a cada pessoa que passa pela minha estrada e ao invés de deixar sua rosa antes de se despedir , deixa só os espinhos, propositalmente , como se eu merecesse uma recordação ruim. Mas eu só levo comigo o que foi bom ... luto diariamente para levar o bom. A verdade é que eu nem sempre consigo e aí me vejo cair ... então sigo Lispector e me entupo e me esvazio de contradições, e vivo meu extremo da forma mais intensa que alguém pode viver ... até secar tudo e voltar a mim, a minha essência, como se nada, nunca, tivesse acontecido ... mudo a direção.

Mais do que amores, amigos não deveriam decepcionar, ninguém deveria decepcionar. Talvez seja burrice minha entregar a todos meu manual de instruções e dizer, leia tudo e se quiser volte sempre, se não quiser não se importe comigo, eu não presto mesmo, já me diziam quando eu prestava , então eu superarei sua falta de consideração... aja como bem entender que eu farei tudo por você.

Eu me peguei analisando uma letra que dizia que a verdade é o dom de iludir , então caio em confusão e contradição novamente ... cada um pensa como quer, ou melhor, pensa como pode pensar né ... logo, cada pessoa faz exatamente o que ela acha que lhe trará segurança para viver em paz, não necessariamente o que ela acredita que lhe dará esperança e alegria. A sinceridade e a mentira agem como aliados para isso, eu entendo então como eu posso mentir falando a verdade e dizer a verdade mentindo, só não sei como eu posso mudar isso, e, se eu posso mudar isso.

Desde muito nova eu aprendi a fazer o que eu queria. Sem limites e sem regras aprendi a me regrar. Aprendi a ter uma confiança tão grande no que eu fazia que hoje em dia eu já sei perder, e olha que faz tempo que eu não ganho, sorrindo e aprendendo. Mas será que aprender a perder tá certo ?

Aprendi a ter uma sinceridade brutal, dessa que destrói o ego das pessoas. Demorei a enxergar essa destruição pois pra mim, nenhuma, ou quase nenhuma verdade pode me derrubar ... aprendi a aceitar e a não ligar pro que as pessoas acham ou pensam, mas veja bem, meu bem ... vivemos em sociedade , e o óbvio é que é importante sim ,as vezes, a opinião alheia, para você viver em paz.

Aprendi também a ser piadista, palhaça e o pior, irônica, sarcástica , daquelas que levam esse tom de voz pra tudo, em todo lugar a toda hora , sem perceber. Ouvi milhares de vezes de pessoas queridas que chateadas diziam ... “ não sei quando você fala sério”. Ser levada a sério é muito importante depois de certa idade, mas fazer rir pra mim, é mais importante ainda, mesmo que eu perca meus créditos e seja vista como louca, eu não sei explicar pq.

Ah , aprendi a não mentir, quando se deve mentir ... esse é um dos estorvos na minha vida. Eu minto sim, coisas idiotas, se for necessário, mas preciso aprender a mentir coisas desnecessárias, pois é disso que as pessoas gostam de viver , de ilusão, é disso que eu também gosto de viver. A realidade e a verdade são muito pouco dramáticas e tiram a beleza das coisas.

Nasci com muito amor, disso eu me orgulho, nasci com os valores certos, os valores reais, o que eu perquisei e realmente vi que importa. Mas eu não sei como balancear isso na minha vida ainda, pois aqui em baixo outros valores prevalecem, e nossa inteligência emocional deve saber disso.

Já magoei, eu sei, e diariamente sou magoada, por atitudes de pessoas que eu nem conheço, e eu aprendi a intervir nisso, o que quase nunca é bom pra mim, moralmente,mas faz muito bem ao meu coração.

Aprendi que consideração, a que brota em mim, é pra sempre, mas que pra maioria das pessoas não é assim, então tô tentando aprender a aceitar isso, mas é tão difícil ... ah , outra coisa que existe em mim é sentir absurdamente, como se eu devesse algo a maioria das pessoas que roubam minha afeição, mas isso não me impede de atitudes erradas e egoístas, não me impede de “ fazer tudo errado sempre” , e isso eu não sei explicar , nem ao menos consigo entender.

Eu sinto muito, demais, e sinto mais por fazer, na maioria das vezes , muito pouco.
Martin Luther King disse com toda a sensibilidade e inteligência que o que lhe PREOCUPAVA não era o grito dos maus, mas o silêncio dos bons. Eu , com minha menor evolução aliada a intensidade, transitoriedade, impulsividade e outras coisas mais, não me preocupo com isso , eu simplesmente me enfureço com isso de forma incontrolável, e hiperbolizando, descontrolada,não consigo demonstrar o que realmente eu queria passar.

Será que é tão difícil mesmo deixar parecer quem é e mostrar quem realmente quer ser ?


Lv.

7 de setembro de 2010

Não Foi

Não foi assim, eu juro que não fui eu quem escolheu assim. Simplesmente aconteceu assim. Me disseram uma vez que nem sempre a gente faz tudo certo , eu não quero usar isso, mas também não posso ignorar isso.
Odeio me arrepender, eu quase nunca me arrependo, aprendi a ser assim. Talvez fosse melhor me arrepender, eu seria menos brutal...mas nem mesmo nos meus sentimentos eu posso mandar, nem mesmo na minha angústia, na minha força, na minha mente.
Eu tentei de tudo, juro que me esforcei , mental e fisicamente ,e eu prometo que eu vou continuar tentando. Eu só te digo que não foi assim, não
assim como você pensa .
O que você julga não é a verdade ... e nem a mentira.
Você só entra no jogo quando se entrega e para de jogar e só sai dele quando começa a jogar e arriscar. Simples e controverso assim.

Lv.

1 de setembro de 2010

Malandragem

"Malandros" andam por aí ... eles acham que querem se divertir, e não percebem o bem diante de si, perdem amigos,amores, saladas, sorvetes,pizzas, cigarros, cerveja, charutos, papos e ... a própria inteligência.

Como um bom aspirante a malandro, ele sempre acha que está ganhando, mas se ele não tem a estrutura "malandral" jamais terá conhecimento suficiente para entender que quando ele acha que está ganhando normalmente está perdendo, e então só perde ... se perde, se acostuma a ser perdido e magnificamente gosta disso.

Usando um ditozinho popular podemos concluir que o problema do "malandro" está em se emoldurar ... mas o suicídio do falso malandro consta em achar que todo o mundo é um grande ótario, foi assim que sempre falaram.

Um "malandro" sem malícia joga contra si, um "malandro" sem esperteza sempre pisa no seu próprio rabo tentando fugir . É engraçado e dá muita vontade de rir e então o "malandro" todinho despir, mas não seria tão delicioso vê-lo ruir.

Cazuza, como sempre, como bom malandro, veio ajudar e "eu só peço a Deus um pouco de malandragem ". Mas por favor Deus, não me mande ilusões, pois ser "malandro" não me interessa.

Malandro que é malandro é muito otário.

Lv.